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Sociedade

Não se chega ao Bairro Uíge sem antes passar pelos buracos

Não se chega ao Bairro Uíge sem antes passar pelos buracos
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“Entre as muitas coisas para as quais não tenho habilidade, dizer adeus talvez seja uma das principais”. Me revejo nas palavras de Ricardo Araújo Pereira. Como sempre, a minha falta de jeito empurra-me para um grande fascínio pela arte de observar. Geralmente isso ocorre quando volto para casa e olho o comportamento das pessoas na luta por um lugar no interior dos carros que exercem actividade de táxi .

A intensidade da luta pelo meio de transporte oscila de acordo com o contexto, pois em alguns pontos da cidade capital a concorrência é mais intensa, e  isso tem como principal factor uma certa desigualdade no que diz respeito à quantidade da oferta, aquém da demanda dos táxis. Tudo, geralmente, se torna mais complicado nas zonas onde as estradas são esburacadas e onde há um fraco fluxo de serviços de táxi.

Uma das vias de maior dificuldade é o percurso de principal acesso ao Bairro Uíge, no distrito urbano do Sambizanga, em Luanda. Um bairro aparentemente esquecido, onde, a partir das dezessete horas, a busca pelo taxi é muito concorrida. Mesmo quando se alcança o tão desejado meio de transporte, o desconforto de se mobilizar naquele trilho esburacado gera uma certa frustração por parte dos passageiros, forçados a terem que suportar os sobressaltos constantes durante a viagem.

É muito comum a expressão de relutância contra experiência de percorrer o solo mal estruturado rumo ao Bairro Uíge. Foi no ócio, à mercê da minha pouca vontade de experimentar os sobressaltos daquela via, que me propus a tentar entender as implicações que levam o Governo a não prestar mais atenção àquela zona que alberga o estaleiro duma das maiores empresas de transporte em Angola, a Angoaustral, a refinaria central de Luanda, a empresa de construção civil, Soares da Costa, e a empresa de produtos e serviço de gás natural, SonaGás. Empresas com um certo contributo para o PIB do país.

Sempre procurei buscar uma lógica sobre o porquê da falta de intervenção do Estado neste contexto, mas foram tentativas frustradas, pois, das explicações que me foram dadas, nenhuma fazia sentido. Parece-me que existe uma força inversa na contramão da boa circulação naquela região.

O Soares da Costa é uma empresa de construção civil, a Angoaustral actua no ramo dos transportes e a Refinaria de Luanda é estruturada para processar o petróleo e obter uma grande variedade de derivados. Teoricamente, um casamento perfeito, entretanto, nada é feito para uma mudança deste cenário na principal via de circulação daquela região.

A Soares da Costa estrutura estradas, mas a via que dá acesso a um dos seus estaleiros encontra-se desestruturada. Os autocarros da Angoaustral deixaram de operar naquelas imediações, onde ironicamente tem a base instalada. Parece ser um total contrassenso, tal e qual um homem com os membros inferiores sadios, porém decide viver a vida inteira dependente duma cadeira de rodas.

Fui pego de surpresa no início do presente ano, quando os moradores e taxistas dos bairros Uíge, Sucanor e Sonangol saíram às ruas com o objectivo de manifestarem o seu descontentamento face às condições da via principal, que liga aquelas localidades à estrada principal, entre o Cacuaco e São Paulo. Foi uma iniciativa muito aplaudida pelos habitantes desta região. Era possível se enxergar esperança nos olhos dos moradores, porém não teve o melhor desfecho para aquilo que eram as suas aspirações.

Importante salientar que a ideia de manifestação teve como os principal impulsionador um grupo de motoristas que actuam naquela zona, as vítimas centrais dos infortúnios ou transtornos causados pela lenta e fatigante locomoção naquele trilho. Para quem já circulou naquela via de sentido único, pode certamente descrever as dificuldades que existem lá. Os sobressaltos, a poeira e a falta de regulação do trânsito tornam a experiência do taxista e dos respectivos passageiros num grande tormento.

Os sobressaltos durante o percurso têm como factores principais a quantidade de buracos e a inexistência duma plenitude asfaltada. Quem vive nestes bairros há mais de quinze anos pode recordar uma época em que o asfalto era uma realidade, mas inexistiam táxis em grande abundância ou grandes actividades comerciais.  Parecia um campo de futebol onde ninguém jogava à bola. Naquela altura, a realidade da via era estável e satisfatória, pois se podia circular com maior facilidade. A falta de manutenção da estrada foi o principal motivo da sua deformação, sem descartar o facto de a circulação constante dos veículos de grande porte ter tido uma grande influência no desaparecimento do asfalto. O que era uma vez estrada, tornou-se numa perfeita representação esburacada, onde nem o Johnnie Walker aceitaria andar.

Neste contexto, se os carros tivessem vida própria, certamente, rebelar-se-iam contra os seus condutores. Esse detalhe força a maior parte dos taxistas a terem que obrigatoriamente dominar a arte da mecânica auto. É como se tem dito: “As dificuldades formam homens fortes”. Esse problema da estrada já perdura há mais de dez anos e até hoje inexistem indícios de possíveis soluções. Me recordo aclaradamente, durante os meus anos de estudante do curso de Gestão e Administração de Empresa, na Universidade Metodista de Angola, de quando o meu professor de Macroeconomia fez uma abordagem aprofundada sobre como as estradas podem gerar valor para a economia, servindo como um íman capaz de atrair bens e serviços. Seria perfeito de se verificar essa realidade fora do papel.

Desta feita, acho inconcebível tanto tempo de má circulação de veículos nesta zona, pois parece haver provas mais do que o suficiente de que nos referimos a uma zona frutífera para aquilo que são os interesses económicos dum país. De maneira generalizada, a realidade das estradas em Luanda tem sido uma pedra nos calcanhares de Aquiles na vida dos taxistas nas mais diversas zonas da cidade capital. Um desafio constante. Os sobressaltos à mercê das condições precárias das vias de acesso nas zonas suburbanas têm gerado muitos danos na vida dos habitantes destes bairros.

E o drama continua

Nos bairros Uíge e Sonangol, os automóveis de grande porte têm como destino as empresas da SonaGás, Angoaustral e uma Siderurgia local. A constante circulação destes veículos tem tornando cada vez mais deplorável a via de acesso para estas localidades, uma realidade que tem suscitado pronunciamentos críticos por parte dos jovens nas redes sociais. Segundo os taxistas, esse cenário tem gerado muitos transtornos na mobilidade dos habitantes e comerciantes.

No princípio deste ano houve o registro da morte dum adolescente durante uma manifestação contra as condições preocupantes da estrada. A Polícia Nacional  de Angola confirmou que o menor, morto no dia, 15 de Fevereiro, no bairro Uíge, em Luanda, foi vítima de disparos de agentes da corporação, que tentava impedir confrontos entre grupos rivais.

Em comunicado divulgado no dia seguinte, o pronunciamento da Polícia da capital assegurou, entretanto, que a morte do menor “não teve nenhuma relação com a manifestação” realizada por taxistas, mototaxistas e moradores em protesto contra o mau estado da estrada principal. Existe uma frase que eu aprecio muito e ela diz que “depois da tempestade vem a bonança”. Porém, não foi o que se registou nesta localidade. Depois deste evento, a administração local providenciou o entulho daquela via com areia vermelha, alteração essa que durou duas semanas, até que a via voltasse a ficar novamente esburacada. E como as coisas tendem a piorar no tempo de chuva por consequência da  má qualidade das vias de acesso, as previsões são alarmantes.

Desde Fevereiro, até aos dias de hoje, não se registrou nenhuma alteração no cenário da via principal do Bairro Uige. As dificuldades são presentes e os moradores alegam que durante os tempos de chuvas a circulação de táxis é muito mais difícil. Neste período, a procura do táxi torna-se numa equação complexa de se resolver. E só de lembrar que o período das chuvas se avizinha.

Tenho a plena certeza de que o entulho de areia avermelhada diante deste período é apenas um espantalho incapaz de assustar os buracos daquela via que se mostra cada vez mais esburacada, em função da constante circulação dos veículos.

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Avelino João

Redactor

Avelino é um jovem luandense, apaixonado pelo universo literário, estudante do curso de Comunicação Social na Universidade Agostinho Neto. Tem experiência profissional na área de comunicação multiplataforma, é redator e criador do blogspot “Buscador Sem Metas” e leitor assíduo e mergulhado no universo da escrita há aproximadamente dez anos.

“Entre as muitas coisas para as quais não tenho habilidade, dizer adeus talvez seja uma das principais”. Me revejo nas palavras de Ricardo Araújo Pereira. Como sempre, a minha falta de jeito empurra-me para um grande fascínio pela arte de observar. Geralmente isso ocorre quando volto para casa e olho o comportamento das pessoas na luta por um lugar no interior dos carros que exercem actividade de táxi .

A intensidade da luta pelo meio de transporte oscila de acordo com o contexto, pois em alguns pontos da cidade capital a concorrência é mais intensa, e  isso tem como principal factor uma certa desigualdade no que diz respeito à quantidade da oferta, aquém da demanda dos táxis. Tudo, geralmente, se torna mais complicado nas zonas onde as estradas são esburacadas e onde há um fraco fluxo de serviços de táxi.

Uma das vias de maior dificuldade é o percurso de principal acesso ao Bairro Uíge, no distrito urbano do Sambizanga, em Luanda. Um bairro aparentemente esquecido, onde, a partir das dezessete horas, a busca pelo taxi é muito concorrida. Mesmo quando se alcança o tão desejado meio de transporte, o desconforto de se mobilizar naquele trilho esburacado gera uma certa frustração por parte dos passageiros, forçados a terem que suportar os sobressaltos constantes durante a viagem.

É muito comum a expressão de relutância contra experiência de percorrer o solo mal estruturado rumo ao Bairro Uíge. Foi no ócio, à mercê da minha pouca vontade de experimentar os sobressaltos daquela via, que me propus a tentar entender as implicações que levam o Governo a não prestar mais atenção àquela zona que alberga o estaleiro duma das maiores empresas de transporte em Angola, a Angoaustral, a refinaria central de Luanda, a empresa de construção civil, Soares da Costa, e a empresa de produtos e serviço de gás natural, SonaGás. Empresas com um certo contributo para o PIB do país.

Sempre procurei buscar uma lógica sobre o porquê da falta de intervenção do Estado neste contexto, mas foram tentativas frustradas, pois, das explicações que me foram dadas, nenhuma fazia sentido. Parece-me que existe uma força inversa na contramão da boa circulação naquela região.

O Soares da Costa é uma empresa de construção civil, a Angoaustral actua no ramo dos transportes e a Refinaria de Luanda é estruturada para processar o petróleo e obter uma grande variedade de derivados. Teoricamente, um casamento perfeito, entretanto, nada é feito para uma mudança deste cenário na principal via de circulação daquela região.

A Soares da Costa estrutura estradas, mas a via que dá acesso a um dos seus estaleiros encontra-se desestruturada. Os autocarros da Angoaustral deixaram de operar naquelas imediações, onde ironicamente tem a base instalada. Parece ser um total contrassenso, tal e qual um homem com os membros inferiores sadios, porém decide viver a vida inteira dependente duma cadeira de rodas.

Fui pego de surpresa no início do presente ano, quando os moradores e taxistas dos bairros Uíge, Sucanor e Sonangol saíram às ruas com o objectivo de manifestarem o seu descontentamento face às condições da via principal, que liga aquelas localidades à estrada principal, entre o Cacuaco e São Paulo. Foi uma iniciativa muito aplaudida pelos habitantes desta região. Era possível se enxergar esperança nos olhos dos moradores, porém não teve o melhor desfecho para aquilo que eram as suas aspirações.

Importante salientar que a ideia de manifestação teve como os principal impulsionador um grupo de motoristas que actuam naquela zona, as vítimas centrais dos infortúnios ou transtornos causados pela lenta e fatigante locomoção naquele trilho. Para quem já circulou naquela via de sentido único, pode certamente descrever as dificuldades que existem lá. Os sobressaltos, a poeira e a falta de regulação do trânsito tornam a experiência do taxista e dos respectivos passageiros num grande tormento.

Os sobressaltos durante o percurso têm como factores principais a quantidade de buracos e a inexistência duma plenitude asfaltada. Quem vive nestes bairros há mais de quinze anos pode recordar uma época em que o asfalto era uma realidade, mas inexistiam táxis em grande abundância ou grandes actividades comerciais.  Parecia um campo de futebol onde ninguém jogava à bola. Naquela altura, a realidade da via era estável e satisfatória, pois se podia circular com maior facilidade. A falta de manutenção da estrada foi o principal motivo da sua deformação, sem descartar o facto de a circulação constante dos veículos de grande porte ter tido uma grande influência no desaparecimento do asfalto. O que era uma vez estrada, tornou-se numa perfeita representação esburacada, onde nem o Johnnie Walker aceitaria andar.

Neste contexto, se os carros tivessem vida própria, certamente, rebelar-se-iam contra os seus condutores. Esse detalhe força a maior parte dos taxistas a terem que obrigatoriamente dominar a arte da mecânica auto. É como se tem dito: “As dificuldades formam homens fortes”. Esse problema da estrada já perdura há mais de dez anos e até hoje inexistem indícios de possíveis soluções. Me recordo aclaradamente, durante os meus anos de estudante do curso de Gestão e Administração de Empresa, na Universidade Metodista de Angola, de quando o meu professor de Macroeconomia fez uma abordagem aprofundada sobre como as estradas podem gerar valor para a economia, servindo como um íman capaz de atrair bens e serviços. Seria perfeito de se verificar essa realidade fora do papel.

Desta feita, acho inconcebível tanto tempo de má circulação de veículos nesta zona, pois parece haver provas mais do que o suficiente de que nos referimos a uma zona frutífera para aquilo que são os interesses económicos dum país. De maneira generalizada, a realidade das estradas em Luanda tem sido uma pedra nos calcanhares de Aquiles na vida dos taxistas nas mais diversas zonas da cidade capital. Um desafio constante. Os sobressaltos à mercê das condições precárias das vias de acesso nas zonas suburbanas têm gerado muitos danos na vida dos habitantes destes bairros.

E o drama continua

Nos bairros Uíge e Sonangol, os automóveis de grande porte têm como destino as empresas da SonaGás, Angoaustral e uma Siderurgia local. A constante circulação destes veículos tem tornando cada vez mais deplorável a via de acesso para estas localidades, uma realidade que tem suscitado pronunciamentos críticos por parte dos jovens nas redes sociais. Segundo os taxistas, esse cenário tem gerado muitos transtornos na mobilidade dos habitantes e comerciantes.

No princípio deste ano houve o registro da morte dum adolescente durante uma manifestação contra as condições preocupantes da estrada. A Polícia Nacional  de Angola confirmou que o menor, morto no dia, 15 de Fevereiro, no bairro Uíge, em Luanda, foi vítima de disparos de agentes da corporação, que tentava impedir confrontos entre grupos rivais.

Em comunicado divulgado no dia seguinte, o pronunciamento da Polícia da capital assegurou, entretanto, que a morte do menor “não teve nenhuma relação com a manifestação” realizada por taxistas, mototaxistas e moradores em protesto contra o mau estado da estrada principal. Existe uma frase que eu aprecio muito e ela diz que “depois da tempestade vem a bonança”. Porém, não foi o que se registou nesta localidade. Depois deste evento, a administração local providenciou o entulho daquela via com areia vermelha, alteração essa que durou duas semanas, até que a via voltasse a ficar novamente esburacada. E como as coisas tendem a piorar no tempo de chuva por consequência da  má qualidade das vias de acesso, as previsões são alarmantes.

Desde Fevereiro, até aos dias de hoje, não se registrou nenhuma alteração no cenário da via principal do Bairro Uige. As dificuldades são presentes e os moradores alegam que durante os tempos de chuvas a circulação de táxis é muito mais difícil. Neste período, a procura do táxi torna-se numa equação complexa de se resolver. E só de lembrar que o período das chuvas se avizinha.

Tenho a plena certeza de que o entulho de areia avermelhada diante deste período é apenas um espantalho incapaz de assustar os buracos daquela via que se mostra cada vez mais esburacada, em função da constante circulação dos veículos.

Avelino João

Redactor

Avelino é um jovem luandense, apaixonado pelo universo literário, estudante do curso de Comunicação Social na Universidade Agostinho Neto. Tem experiência profissional na área de comunicação multiplataforma, é redator e criador do blogspot “Buscador Sem Metas” e leitor assíduo e mergulhado no universo da escrita há aproximadamente dez anos.

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