Caneta e Papel
Finanças

Justiça fiscal: Concorrência, paraísos e harmonização fiscais

Justiça fiscal: Concorrência, paraísos e harmonização fiscais
Foto por:
vídeo por:
DR

Nas economias abertas que hoje predominam, os Estados deparam-se com constantes limites à sua soberania fiscal. As normas internas podem conter medidas destinadas a impedir que os residentes  - conceito que no direito fiscal internacional tem a função que o conceito de cidadão tem no direito constitucional - no seu território utilizem as operações com o exterior para reduzir os impostos a pagar. Mas não só há o problema dos limites ao exercício dessas operações, mas também o problema adicional do que a complexidade deste tipo de questões cria zonas de obscuridade que prejudicam a discussão pública e favorecem a actuação de lóbis  fiscais que criam regimes privilegiados para grupos bem determinados de contribuintes.

Essa concorrência foi suficientemente intensa para que alguns países tradicionalmente exigentes em relação ao cumprimento das suas obrigações fiscais (países como escandinavos, Alemanha) aceitassem como facto incontornável a mobilidade dos capitais e criassem um sistema fiscal plural com tributação mais elevada para os rendimentos do trabalho do que para o capital (Xavier Basto,  “A Constituição e o sistema fiscal” Legislação e a Jurisprudência, uma solução que em tempos de maior exigência em relação ao controlo fiscal internacional pode considerar-se hoje desajustado. A concorrência, contudo, não existe apenas entre sistemas fiscais. A obtenção da justiça fiscal e a possibilidade de redução da carga tributária tem de ser considerada na perspectiva mais vasta da concorrência entre diversas formas ou modelo de sociedade, com maior ou menor intervenção do Estado, maior ou menor fornecimento de bens e serviços públicos, e maior ou menor carga fiscal. É uma questão particularmente viva em países Europeus, onde as restrições ao exercício da soberania fiscal por cada Estado tornam mais aguda esta questão da concorrência entre sistemas, mas não deixa de existir em ordenamentos fiscais nos recursos naturais e na sua tributação (Saldanha Sanches/ Direito Fiscal Angolano. Coimbra 2010). Porém, a concorrência fiscal não é em si mesma fonte de distorções. Um Estado mais eficiente pode conseguir uma produção de bens e serviços públicos por um preço menor, onerando menos os seus contribuintes, e dessa forma forçar os Estados concorrentes ao mesmo comportamento (redução da corrupção e do desperdício, por exemplo), caso em que há vantagens para o Estado que foi obrigado a aumentar a sua eficiência. No entanto, a concorrência fiscal raramente tem essa natureza de paraísos fiscais ou zonas de baixa ou nula fiscalidade. A justificação para a sua existência era principalmente a de conferir viabilidade económica a zonas periféricas. Ilhas ou país de pequena dimensão favorável, conseguiam atrair empresas que, de outro modo, iriam escolher outras localizações. Os paraísos fiscais típicos - o conceito é indefinível e tem as mais variadas mutações - não procuram, no entanto, atrair empresas. O que fazem é atrair operações financeiras da banca, seguros mediante a atribuição do estatuto de residente a sociedades comerciais que têm uma ligação apenas formal com o seu território. Empresas de caixa postal, diz-se muitas vezes. Noutros casos, o país, mediante um regime de segredo bancário, recusa informação sobre qualquer depósito efectuado nos seus bancos, permitindo assim a evasão fiscal, o que faz que seja uma jurisdição escolhida por contribuintes que se movem em zonas escuras do sistema, como dirigentes corruptos ou presidente de clubes desportivos. Estas situações perpetuam-se principalmente por causa da indefinição da política tributária dos países, como resultado dos interesses que beneficiam da existência destes regimes. 

Os paraísos fiscais típicos - o conceito é indefinível e tem as mais variadas mutações - não procuram, no entanto, atrair empresas. O que fazem é atrair operações financeiras da banca, seguros mediante a atribuição do estatuto de residente a sociedades comerciais que têm uma ligação apenas formal com o seu território.

No entanto, o mundo pós crise bancária 2008/2009, com resultante necessidade de transparência criada pela necessidade de supervisão financeira e a repressão mais intensa para obter receitas fiscais que compensem os défices orçamentais, levou a um fortalecimento do princípio da revelação dos factos mais relevantes da vida das empresas, que convive muito mal com a obscuridade criada pelos paraísos fiscais,  sigilo bancário e fiscal (“Crónica uma Morte Anunciada, José C. Moreira Alves”. Belo Horizonte 2010). Mas o fenómeno  de integração da economia mundial levanta outros problemas. Num espaço em crescente unificação, como é o africano, o dilema entre a concorrência fiscal entre os vários Estados e a criação de soluções unificadoras ou mesmo harmonização fiscal, tem-se colocado. As dificuldades da harmonização residem no facto de muitos países optarem pela concorrência fiscal, sobretudo na área financeira, tornando impossível à unanimidade necessária para obter a aprovação de leis fiscais, uma concorrência que é travada ao abrigo das liberdades regionais e comunitárias e que deve ser controlada pelo Tribunal de Justiça da União Africana. 

O resultado disto é a injustiça fiscal resultante de uma injusta tributação do capital, que pode deslocar-se sem restrições entre os vários Estados-membros e uma pesada tributação do trabalho, também com liberdade de deslocação, mas um alvo muito mais fácil para o legislativo e para a administração fiscal. 

Um Estado mais eficiente pode conseguir uma produção de bens e serviços públicos por um preço menor, onerando menos os seus contribuintes, e dessa forma forçar os Estados concorrentes ao mesmo comportamento (redução da corrupção e do desperdício, por exemplo), caso em que há vantagens para o Estado que foi obrigado a aumentar a sua eficiência.

6galeria

Tchiweka Neto Jr.

Jurista

Nas economias abertas que hoje predominam, os Estados deparam-se com constantes limites à sua soberania fiscal. As normas internas podem conter medidas destinadas a impedir que os residentes  - conceito que no direito fiscal internacional tem a função que o conceito de cidadão tem no direito constitucional - no seu território utilizem as operações com o exterior para reduzir os impostos a pagar. Mas não só há o problema dos limites ao exercício dessas operações, mas também o problema adicional do que a complexidade deste tipo de questões cria zonas de obscuridade que prejudicam a discussão pública e favorecem a actuação de lóbis  fiscais que criam regimes privilegiados para grupos bem determinados de contribuintes.

Essa concorrência foi suficientemente intensa para que alguns países tradicionalmente exigentes em relação ao cumprimento das suas obrigações fiscais (países como escandinavos, Alemanha) aceitassem como facto incontornável a mobilidade dos capitais e criassem um sistema fiscal plural com tributação mais elevada para os rendimentos do trabalho do que para o capital (Xavier Basto,  “A Constituição e o sistema fiscal” Legislação e a Jurisprudência, uma solução que em tempos de maior exigência em relação ao controlo fiscal internacional pode considerar-se hoje desajustado. A concorrência, contudo, não existe apenas entre sistemas fiscais. A obtenção da justiça fiscal e a possibilidade de redução da carga tributária tem de ser considerada na perspectiva mais vasta da concorrência entre diversas formas ou modelo de sociedade, com maior ou menor intervenção do Estado, maior ou menor fornecimento de bens e serviços públicos, e maior ou menor carga fiscal. É uma questão particularmente viva em países Europeus, onde as restrições ao exercício da soberania fiscal por cada Estado tornam mais aguda esta questão da concorrência entre sistemas, mas não deixa de existir em ordenamentos fiscais nos recursos naturais e na sua tributação (Saldanha Sanches/ Direito Fiscal Angolano. Coimbra 2010). Porém, a concorrência fiscal não é em si mesma fonte de distorções. Um Estado mais eficiente pode conseguir uma produção de bens e serviços públicos por um preço menor, onerando menos os seus contribuintes, e dessa forma forçar os Estados concorrentes ao mesmo comportamento (redução da corrupção e do desperdício, por exemplo), caso em que há vantagens para o Estado que foi obrigado a aumentar a sua eficiência. No entanto, a concorrência fiscal raramente tem essa natureza de paraísos fiscais ou zonas de baixa ou nula fiscalidade. A justificação para a sua existência era principalmente a de conferir viabilidade económica a zonas periféricas. Ilhas ou país de pequena dimensão favorável, conseguiam atrair empresas que, de outro modo, iriam escolher outras localizações. Os paraísos fiscais típicos - o conceito é indefinível e tem as mais variadas mutações - não procuram, no entanto, atrair empresas. O que fazem é atrair operações financeiras da banca, seguros mediante a atribuição do estatuto de residente a sociedades comerciais que têm uma ligação apenas formal com o seu território. Empresas de caixa postal, diz-se muitas vezes. Noutros casos, o país, mediante um regime de segredo bancário, recusa informação sobre qualquer depósito efectuado nos seus bancos, permitindo assim a evasão fiscal, o que faz que seja uma jurisdição escolhida por contribuintes que se movem em zonas escuras do sistema, como dirigentes corruptos ou presidente de clubes desportivos. Estas situações perpetuam-se principalmente por causa da indefinição da política tributária dos países, como resultado dos interesses que beneficiam da existência destes regimes. 

Os paraísos fiscais típicos - o conceito é indefinível e tem as mais variadas mutações - não procuram, no entanto, atrair empresas. O que fazem é atrair operações financeiras da banca, seguros mediante a atribuição do estatuto de residente a sociedades comerciais que têm uma ligação apenas formal com o seu território.

No entanto, o mundo pós crise bancária 2008/2009, com resultante necessidade de transparência criada pela necessidade de supervisão financeira e a repressão mais intensa para obter receitas fiscais que compensem os défices orçamentais, levou a um fortalecimento do princípio da revelação dos factos mais relevantes da vida das empresas, que convive muito mal com a obscuridade criada pelos paraísos fiscais,  sigilo bancário e fiscal (“Crónica uma Morte Anunciada, José C. Moreira Alves”. Belo Horizonte 2010). Mas o fenómeno  de integração da economia mundial levanta outros problemas. Num espaço em crescente unificação, como é o africano, o dilema entre a concorrência fiscal entre os vários Estados e a criação de soluções unificadoras ou mesmo harmonização fiscal, tem-se colocado. As dificuldades da harmonização residem no facto de muitos países optarem pela concorrência fiscal, sobretudo na área financeira, tornando impossível à unanimidade necessária para obter a aprovação de leis fiscais, uma concorrência que é travada ao abrigo das liberdades regionais e comunitárias e que deve ser controlada pelo Tribunal de Justiça da União Africana. 

O resultado disto é a injustiça fiscal resultante de uma injusta tributação do capital, que pode deslocar-se sem restrições entre os vários Estados-membros e uma pesada tributação do trabalho, também com liberdade de deslocação, mas um alvo muito mais fácil para o legislativo e para a administração fiscal. 

Um Estado mais eficiente pode conseguir uma produção de bens e serviços públicos por um preço menor, onerando menos os seus contribuintes, e dessa forma forçar os Estados concorrentes ao mesmo comportamento (redução da corrupção e do desperdício, por exemplo), caso em que há vantagens para o Estado que foi obrigado a aumentar a sua eficiência.

6galeria

Artigos relacionados

Thank you! Your submission has been received!
Oops! Something went wrong while submitting the form