Se a justiça olhar primeiramente para os olhos do criminoso ao invés das acções, para os homens de olhos azuis existirá sempre um atenuante. Mas para aqueles que nasceram sem a claridade nos olhos, a única forma de conseguirem tocar no coração da justiça é através do seu status social. A minha obsessão pelas lacunas da justiça força-me a ter que acompanhar constantemente os casos judiciais das pessoas que têm a capacidade de tornar parcial a lei. Refiro-me aos ex-presidentes, os milionários, ministros ou possivelmente os seus respectivos rebentos.
Na manhã da última sexta-feira, enquanto buscava não perder o trem dos nossos tempos, decidi abrir o jornal e buscar pelas novidades deste dia. Foi quando me deparei com a informação de que o ex-presidente da África do Sul seria inibido dos seus crimes. Desatei logo uma gargalhada, pois julguei que se tratasse duma daquelas piadas sem graça, mas que geralmente postam no jornal com a finalidade de descobrirem a cor dos dentes do leitor, coisa que nunca acontece. Depois de ter olhado com maior atenção, notei que estava na secção de notícias internacionais, local improvável para os editores colocarem uma piada tão boa.
Na íntegra da informação, o ministro da Justiça sul-africano, Ronald Lamola, disse que recebeu indulto para lidar com a superlotação nas prisões, decisão tomada pelas autoridades penitenciárias sem qualquer interferência política, e que Zuma não recebeu nenhum tratamento especial. – Seria perfeito procurar o significado da palavra “especial”. – O ministro prossegue dizendo que o processo de remissão visa aliviar a pressão sobre o sistema, liberando-o. Um porta-voz do departamento prisional disse à BBC que a população carcerária da África do Sul é actualmente 47% maior do que a capacidade oficial. Isso foi agravado pelo facto de que os presos supostamente incendiaram uma prisão na semana passada. Isso significou que quase 4.000 internos foram transportados para outras instalações, onde não havia leitos.
Enquanto me actualizava sobre os dados, pude constatar que aquele mesmo ministro confirmava realmente a desobrigação dos 15 anos de prisão do ex-líder sul africano, Jacob Zuma, uma situação que merece certamente um lugar de destaque na lista dos absurdos deste mês. É inconcebível que num país de 1.22 milhões de km² não haja espaço para encarcerar um homem de 81 anos de idade que pesa menos de 80kg e sem grande disponibilidade atlética, o suficiente para lhe permitir enfrentar uma criança de oito meses, numa corrida de 50 metros.
Segundo a mesma fonte, Jacob Zuma é um dos mais de 9.000 prisioneiros de baixo risco libertados sob um esquema que começou em Abril para abrir espaço nas prisões da África do Sul. Se o ministro assim considera, quem sou eu para fazer frente? Desta feita, se um alvo de mais de 800 acusações por corrupção relativa a contratos de armas do final dos anos 1990 e investigado por supostamente ter usado o Estado para favorecer empresários vinculados com concessões públicas milionárias ser considerado como sendo alguém que não representa risco, talvez o Adolf Hitler fosse um concorrente de peso na nomeação para o Nobel da paz. Ou ainda, quiçá o general Lussaty olhe com bons olhos a vaga de ocupar o cargo de proteger o erário público.
O comissário de prisões da África do Sul, Makgothi Thobakgale, disse que Zuma se apresentou na Estcourt Correctional Facility na sua província natal, KwaZulu-Natal, na manhã de sexta-feira, e foi “admitido” no sistema, antes de ser liberado uma hora depois. O homem de 81 anos já havia recebido liberdade condicional médica, num movimento considerado ilegal pelos tribunais. Toda essa mixórdia de temáticas me atiçaram a curiosidade, ao ponto de buscar no Google o significado do sobrenome “Zuma”. De acordo a origem árabe, “Zuma” significa “aquele que tem boa saúde”. É esquisito o ex-presidente ter tido problemas médico apenas depois do veredicto. Porém, a sua saúde não é imune ao sistema prisional e isso deve ter sido o grande receio político dos lideres deste país.
O grupo de lobby AfriForum acusou o departamento de prisões da África do Sul de ajudar Zuma a fugir da justiça. O principal partido de oposição da África do Sul, a Aliança Democrática, disse que vai contestar legalmente a renúncia concedida ao ex-presidente, enquanto o governante Congresso Nacional Africano (ANC) em KwaZulu-Natal saudou a decisão e disse que é no melhor interesse do país. Mais amplamente, a reacção também foi mista. Alguns sul-africanos dizem que o Governo deveria se concentrar em questões urgentes, como falta de energia frequente, altas taxas de criminalidade, pobreza e desemprego juvenil e sobre como evitar que os youtubers reajam a esse show de Stand-up comedy, enquanto outros dizem que Zuma deveria voltar para à prisão para cumprir o restante do seu mandato.
Se a memória não me atraiçoa, coisa que parece ser normal no sistema judicial africano, a prisão de Zuma em 2021 provocou protestos e tumultos que deixaram mais de 350 mortos.
Tal e qual os escuteiros, manteve a palavra e não dedurou os aliados. Desta feita, ele foi condenado depois de se recusar a testemunhar perante um painel que investigava fraude financeira e favoritismo sob sua presidência. No entanto, recebeu liberdade condicional médica apenas dois meses depois do início de seu mandato.
Em Novembro passado, um tribunal de apelações considerou que a libertação foi concedida ilegalmente e ordenou que Zuma voltasse à prisão para cumprir a sua sentença. No mês passado, o tribunal constitucional rejeitou uma tentativa de anular esta decisão.
Como forma de conclusão, este caso foi um tutorial de como se infringir a lei e ainda ser retribuído com abraços e beijinhos do sistema judicial.
Se a justiça olhar primeiramente para os olhos do criminoso ao invés das acções, para os homens de olhos azuis existirá sempre um atenuante. Mas para aqueles que nasceram sem a claridade nos olhos, a única forma de conseguirem tocar no coração da justiça é através do seu status social. A minha obsessão pelas lacunas da justiça força-me a ter que acompanhar constantemente os casos judiciais das pessoas que têm a capacidade de tornar parcial a lei. Refiro-me aos ex-presidentes, os milionários, ministros ou possivelmente os seus respectivos rebentos.
Na manhã da última sexta-feira, enquanto buscava não perder o trem dos nossos tempos, decidi abrir o jornal e buscar pelas novidades deste dia. Foi quando me deparei com a informação de que o ex-presidente da África do Sul seria inibido dos seus crimes. Desatei logo uma gargalhada, pois julguei que se tratasse duma daquelas piadas sem graça, mas que geralmente postam no jornal com a finalidade de descobrirem a cor dos dentes do leitor, coisa que nunca acontece. Depois de ter olhado com maior atenção, notei que estava na secção de notícias internacionais, local improvável para os editores colocarem uma piada tão boa.
Na íntegra da informação, o ministro da Justiça sul-africano, Ronald Lamola, disse que recebeu indulto para lidar com a superlotação nas prisões, decisão tomada pelas autoridades penitenciárias sem qualquer interferência política, e que Zuma não recebeu nenhum tratamento especial. – Seria perfeito procurar o significado da palavra “especial”. – O ministro prossegue dizendo que o processo de remissão visa aliviar a pressão sobre o sistema, liberando-o. Um porta-voz do departamento prisional disse à BBC que a população carcerária da África do Sul é actualmente 47% maior do que a capacidade oficial. Isso foi agravado pelo facto de que os presos supostamente incendiaram uma prisão na semana passada. Isso significou que quase 4.000 internos foram transportados para outras instalações, onde não havia leitos.
Enquanto me actualizava sobre os dados, pude constatar que aquele mesmo ministro confirmava realmente a desobrigação dos 15 anos de prisão do ex-líder sul africano, Jacob Zuma, uma situação que merece certamente um lugar de destaque na lista dos absurdos deste mês. É inconcebível que num país de 1.22 milhões de km² não haja espaço para encarcerar um homem de 81 anos de idade que pesa menos de 80kg e sem grande disponibilidade atlética, o suficiente para lhe permitir enfrentar uma criança de oito meses, numa corrida de 50 metros.
Segundo a mesma fonte, Jacob Zuma é um dos mais de 9.000 prisioneiros de baixo risco libertados sob um esquema que começou em Abril para abrir espaço nas prisões da África do Sul. Se o ministro assim considera, quem sou eu para fazer frente? Desta feita, se um alvo de mais de 800 acusações por corrupção relativa a contratos de armas do final dos anos 1990 e investigado por supostamente ter usado o Estado para favorecer empresários vinculados com concessões públicas milionárias ser considerado como sendo alguém que não representa risco, talvez o Adolf Hitler fosse um concorrente de peso na nomeação para o Nobel da paz. Ou ainda, quiçá o general Lussaty olhe com bons olhos a vaga de ocupar o cargo de proteger o erário público.
O comissário de prisões da África do Sul, Makgothi Thobakgale, disse que Zuma se apresentou na Estcourt Correctional Facility na sua província natal, KwaZulu-Natal, na manhã de sexta-feira, e foi “admitido” no sistema, antes de ser liberado uma hora depois. O homem de 81 anos já havia recebido liberdade condicional médica, num movimento considerado ilegal pelos tribunais. Toda essa mixórdia de temáticas me atiçaram a curiosidade, ao ponto de buscar no Google o significado do sobrenome “Zuma”. De acordo a origem árabe, “Zuma” significa “aquele que tem boa saúde”. É esquisito o ex-presidente ter tido problemas médico apenas depois do veredicto. Porém, a sua saúde não é imune ao sistema prisional e isso deve ter sido o grande receio político dos lideres deste país.
O grupo de lobby AfriForum acusou o departamento de prisões da África do Sul de ajudar Zuma a fugir da justiça. O principal partido de oposição da África do Sul, a Aliança Democrática, disse que vai contestar legalmente a renúncia concedida ao ex-presidente, enquanto o governante Congresso Nacional Africano (ANC) em KwaZulu-Natal saudou a decisão e disse que é no melhor interesse do país. Mais amplamente, a reacção também foi mista. Alguns sul-africanos dizem que o Governo deveria se concentrar em questões urgentes, como falta de energia frequente, altas taxas de criminalidade, pobreza e desemprego juvenil e sobre como evitar que os youtubers reajam a esse show de Stand-up comedy, enquanto outros dizem que Zuma deveria voltar para à prisão para cumprir o restante do seu mandato.
Se a memória não me atraiçoa, coisa que parece ser normal no sistema judicial africano, a prisão de Zuma em 2021 provocou protestos e tumultos que deixaram mais de 350 mortos.
Tal e qual os escuteiros, manteve a palavra e não dedurou os aliados. Desta feita, ele foi condenado depois de se recusar a testemunhar perante um painel que investigava fraude financeira e favoritismo sob sua presidência. No entanto, recebeu liberdade condicional médica apenas dois meses depois do início de seu mandato.
Em Novembro passado, um tribunal de apelações considerou que a libertação foi concedida ilegalmente e ordenou que Zuma voltasse à prisão para cumprir a sua sentença. No mês passado, o tribunal constitucional rejeitou uma tentativa de anular esta decisão.
Como forma de conclusão, este caso foi um tutorial de como se infringir a lei e ainda ser retribuído com abraços e beijinhos do sistema judicial.